(Avatar, 2009, 162 min) - Por Guto Leite
Aproveitando que estava de passagem por São Paulo, ou melhor, aproveitando a agradável companhia dos meus amigos paulistas, aceitei o convite para assistir Avatar naquela hiper-moderna sala na Pompeia. Quando estava no tempo do narrado, achei que seria somente algumas horas de papo, risadas, cinema, diversão tridimensional (como todas as outras), mas qual não foi a minha surpresa ao ler que a tal curtição tinha desbancado Bastardos Inglórios e faturado o Globo de Ouro de melhor filme de drama.
Tudo bem, não é Berlim, Veneza, Cannes ou mesmo Sundance, festivais um pouco mais confiáveis (talvez o Glauber discordasse da minha lista), mas ainda é um festival que confere prêmios à sétima arte! Ou seja, pode até ser que Harry Potter ganhe “Efeitos Especiais” ou “O melhor investimento infantil para duas horas de cadeira”, mas ele está a priori fora da disputa pelos principais prêmios. Sei que esse a priori pede argumento, mas o que quero dizer – e já disse por aqui antes – é que há uma diferença mais ou menos nítida entre filmes de arte e filmes de entretenimento, não? Não, acho que não, pelo menos não mais. Porém quais as consequências ou causas deste esmaecimento das fronteiras entre arte e entretenimento? Sigo com três argumentos sobre por que o filme não deveria ter levado o prêmio e já voltamos ao assunto.
Que os mais românticos me desculpem, e este é o meu primeiro ponto: não acho totalmente verossímil o amor inter-espécie entre Jake Sully e Neytiri. Sei que não é lá uma crítica muito ferrenha, mas acho fundamental, daquelas que ou movimentam coerentemente o filme, ou me colocam a pulga atrás da cadeira e me indispõe em relação à obra. Não importa o quanto se esteja fragilizado, tenha sido lançado em um ambiente hostil, se receba uma acolhida mais ou menos inédita da tribo Na’vi, e a tal moça seja, vá lá, cheia de risos. Preciso de mais argumentos para aceitar a paixão do cara por uma mulher de três metros, azul, com calda, pêlos de felino e uma cultura absolutamente diversa. Há tanto no amor… Há, há sim, mas preciso de um pouco mais pra aceitar o tesão entre eles. Amar? Talvez. Atração são outros quinhentos.
Segundo ponto: o roteiro é até bastante amarrado – cada informação que aparece retorna depois para amarrar alguma coisa -, mas não se pode negar que o filme é uma coleção de clichês cinematográficos! Na minha opinião, é quase uma propaganda, de tanto que percebo o esforço de Cameron em agradar seu espectador. Pra não me acharem leviano, enumero alguns destes apelos: o heroi portador de uma deficiência física (e outra moral, já que se abre o filme dizendo que ele é meio tapado e pior do que o irmão), a questão da lealdade do soldado versus a lealdade aos princípios, a salvação do meio ambiente, a ciência contra o exército, a ciência contra o dinheiro, o amor entre diferentes, o amor dos jovens contra a tradição da tribo e, por fim, aquela espécie de hinduism for dummies com todo aquele papo de energia viva e que todos estão conectados. Estou deixando de lado, por falta de memória, mais uma boa quantidade de pequenos lugares comuns narrativos, mas acho que consegui expor o meu ponto. O que fica, ao deixar a sala de projeção, é a sensação de ter visto uma boa mistura de O último samurai, Final Fantasy e , é claro, algumas pitadas maldosas de Lilo & Stitch.
Deixo pro final a observação, talvez, menos óbvia. Depois de Titanic e Avatar (ele também dirigiu os primeiros Exterminador do Futuro e outros), James Cameron passou, de um diretor comum, para uma força a ser considerada no mercado cinematográfico. Acho que não é completa ou definitivamente, mas creio que ele puxa um pouco pra cima os orçamentos, põe em jogo mais uma peça na batalha entre grana e criatividade. Não sou obtuso para pensar que depois dele não haverá mais produções alternativas. Aliás, é interessante pensar que há sempre rebotes aos filmes bilionários de Cameron. A Bruxa de Blair (1999) em relação a Titanic (1997), e Atividade Paranormal em relação a este. Só queria questionar se nossa opinião não é mesmo “comprada” por efeitos especiais fabulosos e uma boa dose de mentiras imagéticas que gostaríamos de ver. Sim, o dinheiro compra a felicidade visual!
Lembram daquela pergunta, meio retórica, meio impossível de responder, a respeito da razão e dos efeitos da premiação de Avatar? Bem, vou usar meus privilégios de autor e arriscar uns palpites. Por um lado, pode e espero que seja um fenômeno pontual (prêmios equivocados às vezes sempre acontecem). Embora no ano passado, a HFPA tenha premiado Quem quer ser um milionário?, mais ou menos tão apelativo quanto o ganhador deste ano, nos anos anteriores foram premiados Desejo e Reparação e Babel, filmes bem mais requintados e artísticos. Sendo assim, esqueçam tudo o que foi dito por aqui e estamos conversados. Por outro lado, pode ser que alguma coisa esteja desequilibrando a delicada balança entre autor e público que vem sendo sacudida desde o início do século XX, ou seja, desde que há público com M maiúsculo. Para atingir o maior público possível, lá na origem do projeto, Cameron escolheu diversas características e trabalhou continuamente para atingir sucesso de mercado. Ótimo, sem problemas! Salvo que parte das pessoas responsáveis por decidir o que se concebe como arte tem premiado filmes feitos para ganhar popularidade! Em outros termos, em vez de buscar a melhor forma possível (em conteúdo, estrutura, linguagem etc.) para sua intuição e suas verdades, ou mentiras, o artista agora pode, ainda timidamente, buscar a aprovação do público e fiar nela também o seu êxito artístico. Ele pode? Popularidade virou mérito artístico? Não sei, “cada um é cada um”, como ruminam por aí, mas tenho cá uma ressalva de que é sempre perigosa esta concessão populista. Estandarte vendido como arte!
Título: Avatar
Original: Avatar
País: EUA
Elenco Principal: Sam Worthington, Zoe Saldana, Sigourney Weaver, Stephen Lang.
Companhia: Twentieth Century-Fox
IMDB: http://www.imdb.com/title/tt0499549/
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